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Cooperativas Médicas e Recuperação Judicial: O Reconhecimento Legal e Jurisprudencial Consolidado pelo STJ

Por Rodrigo Vieira Clara

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime da Quarta Turma proferida em 3 de junho de 2025 no julgamento do Recurso Especial nº 2.183.714/SP, firmou posição sobre uma questão jurídica até então controversa: as cooperativas médicas estão, sim, legitimadas a requerer recuperação judicial, nos termos da Lei nº 11.101/2005, com a redação dada pela Lei nº 14.112/2020.

Essa decisão — já destacada no Informativo nº 853 do STJ — representa não apenas a pacificação de um conflito interpretativo, mas também o reconhecimento do papel socioeconômico estratégico dessas entidades no setor de saúde suplementar.

O Caso: Unimed de Taubaté e a Consolidação Judicial

O recurso teve origem no Estado de São Paulo, a partir de pedido de recuperação judicial formulado pela Unimed de Taubaté Cooperativa de Trabalho Médico, em conjunto com a empresa coligada Cardiocentro – Centro de Diagnóstico em Cardiologia Ltda.. O juízo da 2ª Vara Regional Empresarial deferiu o processamento da recuperação com base na nova redação do art. 6º, §13, da LREF.

Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão, sob o fundamento de que cooperativas estariam excluídas da recuperação judicial conforme previsão do art. 2º, II, da LREF, combinado com o art. 4º da Lei nº 5.764/1971. Daí a interposição do recurso especial pela cooperativa médica ao STJ.

🔍 Questão Jurídica Central

A controvérsia analisada pela Corte Superior consistia em saber se as cooperativas médicas operadoras de plano de saúde podem ou não submeter-se ao regime da recuperação judicial à luz do ordenamento jurídico vigente, especialmente após a reforma legislativa de 2020.

📜 Interpretação Sistêmica e Diálogo das Fontes

O relator, Ministro Marco Buzzi, conduziu uma análise que ultrapassou o formalismo da leitura isolada do art. 2º da LREF. Lançando mão da técnica do diálogo das fontes, destacou que o ordenamento jurídico deve ser compreendido como um sistema harmônico, e que não há antinomia entre a LREF e a Lei do Cooperativismo.

A vedação à falência prevista no art. 4º da Lei nº 5.764/1971 não pode ser ampliada para excluir o acesso das cooperativas à recuperação judicial — instituto com finalidade diversa e vocação reestruturante.

🏛 Base Legal e Constitucionalidade

A inclusão das cooperativas médicas no § 13 do art. 6º da LREF, promovida pela Lei nº 14.112/2020, é textual e inequívoca. Esse dispositivo dispõe sobre os efeitos da recuperação judicial em contratos com cooperados e, ao final, excepciona da regra de vedação à recuperação as cooperativas médicas operadoras de plano de assistência à saúde.

O entendimento foi validado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 7442/DF, onde se declarou constitucional a inclusão das cooperativas médicas na LREF — o que afastou qualquer dúvida quanto à sua legitimidade para requerer o benefício.

📈 Atuação Econômica e Função Social das Cooperativas Médicas

O acórdão reconhece que, embora de natureza jurídica cooperativa, entidades como a Unimed atuam como agentes econômicos com estrutura empresarial, firmando contratos, gerando empregos e fornecendo serviços essenciais à população.
“As cooperativas médicas não estão imunes às crises de mercado, tampouco à necessidade de instrumentos legais de reestruturação”, destacou o relator.

Permitir o acesso à recuperação judicial é, portanto, viabilizar a continuidade do serviço de saúde suplementar, protegendo inclusive os usuários e a cadeia econômica envolvida.

Conclusão: Uma Decisão de Impacto Sistêmico

O julgamento do REsp 2.183.714/SP e sua repercussão no Informativo nº 853 do STJ representam um avanço importante na construção de uma jurisprudência coerente com a realidade empresarial das cooperativas médicas. A harmonização entre a LREF, a Lei do Cooperativismo e os princípios constitucionais da livre iniciativa, função social e preservação da atividade econômica reafirma o compromisso do Judiciário com a eficácia do sistema de saúde privado e com a estabilização da economia em tempos de crise.

📚 Referências:

STJ, REsp 2.183.714/SP, rel. Min. Marco Buzzi, j. 03/06/2025

Informativo nº 853, STJ

Lei nº 11.101/2005, arts. 2º e 6º, §13

Lei nº 14.112/2020

Lei nº 5.764/1971

ADI 7442/DF, STF

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